sábado, 23 de março de 2013

just me


Queimei a língua porque estava com pressa e a comida muito quente.
Tropecei numa pedra, e arrebentei a ponta do meu dedo, porque andava distraída.
Peguei o ônibus errado, porque pensei assim conseguir chegar a tempo.
Perdi as chaves de casa, porque na bagunça de minha bolsa, ela enroscada em alguma outra coisa, caiu e eu não percebi.
Fechei a porta quando deveria ter deixado aberta.
Abri a janela, quando o vento estava soprando forte demais.
Chorei de raiva, quando deveria estar forte para buscar uma solução pacífica.
Sorri de nervoso porque não queria demonstrar fraqueza.
Quebrei os pratos, enchi os copos, bati com a cara na parede...
Fiquei perdida, pedi ajuda, perguntei o caminho de volta.
Peguei atalhos, dei voltas longas...
Esperei alguém que nunca chegou.
Atrasei para alguém que sempre esteve lá.
Deixei de ir por estar assustada demais.
Atirei-me sem pensar, e caí devagar.
Acreditei em uma ilusão.
Desacreditei do que era verdadeiro.
Entrei sem ser convidada, porque estava ansiosa demais para estar lá.
Recusei um convite feito especialmente para mim, porque estava presa demais a algo que não era.

Desisti quando faltavam apenas alguns passos para a linha de chegada, porque estava com a visão nublada demais pelas lágrimas, que me impediram de enxergar.
Corri sem pensar por uma estrada que não levava a nenhum lugar.
Já chorei sozinha no escuro, pensando que o escuro pudesse abafar a minha voz.
Já gritei sozinha no meio da rua, por alguém que nunca olhou para trás.
Já cometi injustiças com alguém que me amava.
Já privilegiei alguém somente porque queria estar mais perto.
Já menti porque tinha muito medo de ser excluída, caso dissesse a verdade.
Já disse a verdade apenas para ser cruel.
Já fingi estar bem só para não parecer inadequada.
Já fingi estar triste apenas para ser consolada.
Já comi quando estava sem a mínima fome, apenas para satisfazer um desejo meu.
Já deixei de comer estando morrendo de fome, apenas satisfazer um desejo do outro.
Já fingi amar alguém, apenas por pena.
Já fingi não amar alguém, apenas por orgulho.
Já estive fora porque não me deixaram entrar.
Já estive dentro apenas por estar.
Já caminhei na chuva, apenas por preguiça de abrir o guarda-chuva.
Já rasguei cartas que nunca enviei.
Já enviei cartas que deveria ter rasgado.
Já voltei atrás somente por medo de perder.
Já perdi somente por medo de voltar atrás.
Já sorri, já chorei.
Já cantei e desafinei.
Já bati e apanhei.
Sou uma antítese de mim mesma.
Sou uma síntese do que é humano.

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