terça-feira, 27 de junho de 2017

the room

Essa música do Oren Lavie “Locked in a room” explica tão lindamente como é ter depressão que resolvi analisar verso por verso as metáforas usadas que descrevem tão perfeitamente como me sinto.

Locked in a room with a sink and a broom
“Trancado em um quarto com uma pia e uma vassoura” para se fazer uma limpeza interna, tirar o que incomoda, lavar o passado pra longe e deixá-lo escorrer ralo adentro; ou limpar o presente que é incerto, ou o futuro que aterroriza.

And the walls are all white
“E as paredes são todas brancas”, aquela sensação de estar em lugar nenhum.

But you think it's alright
'Cause a wonderful picture of a bridge
Which is covered in frost
 “Mas você pensa que tá tudo bem, porque a maravilhosa pintura de uma ponta coberta de gelo…” Você se sente em lugar nenhum mas tem essa imagem de uma ponte. Ponte serve para conectar, ligar, dar acesso. Você não está acessível ao mundo exterior, você está em lugar nenhum, e esse lugar é solitário e vazio. O mundo está fora desse “quarto”, que é a sua própria mente. Mas a ideia de poder sair, ou seja, de se conectar com pessoas, de ser compreendido, de estar finalmente livre, é algo maravilhoso. Mas a ponte está coberta por gelo. É escorregadia, perigosa e fria. Você até quer sair e ser livre, se conectar com as pessoas, mas coloca tantos obstáculos que torna a jornada perigosa tanto para você sair, quanto para alguém que tenta se aproximar.

And a man comes a cross”
“e um homem vem de encontro”. Apesar de tudo alguém ousa se aproximar, e cruza essa ponte ao seu encontro. Apesar do gelo, do perigo de cair da ponte, alguém vem ao seu encontro. E talvez o que torne essa imagem tão maravilhosa seja o fato de que tem um homem que vem de encontro. A ideia de que alguém vai vir apesar do perigo, apesar de sua mente ser uma armadilha, alguém ousa vir e estar com você de qualquer jeito. A imagem maravilhosa... Pode ser uma pintura, pode ser uma foto, ou pode ser somente uma ideia na sua cabeça.

Locked in a room that is nothing but walls
And you search for a chair
But there's nothing at all
“Trancado num quarto onde não tem nada se não paredes, e você procura por uma cadeira, mas não tem absolutamente nada”. Você está cansado, e uma cadeira pelo menos aliviaria seu cansaço. Poder sentar, e descansar de seus próprios pensamentos, e talvez esquecer de que você está nessa prisão mental. Pensar demais cansa.

And the one thing you find when you look at the floor
Is a key, but there isn't a door
“E a única coisa que você encontra quando olha no chão é uma chave, mas não tem uma porta”. No anseio por achar algo que o faça descansar, dar um tempo nessa solidão e angústia em que vive dentro desse quarto que é mais uma prisão, você encontra uma palavra que alguém sempre tem pra te dizer. Alguém sempre tem a “solução” para sua angústia. “Passeie mais, você não pode só ficar dentro de casa”. “Encontre os amigos, isso ajuda a se sentir melhor.” “Levante, tome um banho, se alimente, faça exercícios, faça isso, faça aquilo...” Todo mundo parece ter a solução e a cura. Muitos não conseguem nem ao menos compreender que quando você está trancado nesse quarto, não há saída. Não há porta, e por mais que eles tenham a “chave”, não adianta, porque não não há porta. Todos os conselhos que dão, podem até ser, muitas vezes, na melhor das intenções, mas são inúteis, porque você sabe que se pudesse sairia desse vazio em que se encontra. Mas você simplesmente não consegue, e isso é totalmente impossível das pessoas compreenderem.

Now that you're locked in a room
There is room to assume
You are there for a cause
You're not sure what it was
When you're locked in a room
“Agora que você está trancado num quarto, há espaço para deduzir que você está lá por um motivo. Você não tem certeza de qual foi (o motivo) quando você está trancado num quarto”.
Nesse quarto, que fica grande e pequeno dependendo do momento em que você se encontra, há “espaço”, ou seja, tempo suficiente pra imaginar que você está ali porque algo aconteceu que o levou até aquele momento de angústia, isolamento, solidão e essa claustrofobia mental, como se sua mente o estivesse a esmagar e sufocar, roubando-lhe o ar e muitas vezes o seu chão. Mas você não consegue entender o que te levou até ali. A gente nunca sabe o que engatilha essa prisão mental, o que nos leva até ela, nunca é uma coisa só.

Locked within a room of memory
Locked within a room you stand
Locked up away with no light of day
Locked in a room you begin
To find your way out
You find your way in
“Trancado dentro de um quarto de memória, trancado dentro de um quarto você fica de pé, trancado longe da luz do dia, trancado em um quarto  você começa a encontrar a saída, você encontra a entrada”. Essa parte é o refrão, e é tão incrível, porque ele chama o quarto de quarto da memória. É a prisão que nos cerca, as barras que limitam nossa existência, geralmente são as lembranças. Lembranças essas que às vezes temos consciência delas, conseguimos voluntariamente nos lembrar de coisas que nos aconteceram e nos traumatizaram, magoaram, feriram, destruíram, ou fortaleceram. Mas as memórias de um passado difícil é o que geralmente nos mantém acorrentados. Porém, muitas vezes, não temos consciência dessas memórias, ou seja, não nos lembramos do ocorrido, mas carregamos as cicatrizes, as consequências, os traumas mesmo sem saber o que nos aconteceu. E nos comportamos de determinado jeito, e tomamos determinadas atitudes em virtude desses traumas, desses acontecimentos passados que determinam nosso jeito de ser e viver, mesmo sem nos lembrarmos do que nos aconteceu lá atrás. Mas o mais interessante aqui é que ele canta de um jeito que também dá a entender que, quando você tenta encontrar a saída, você acaba encontrando a entrada, de novo. Quando ele diz “para encontrar a saída, você encontra a entrada”.

Locked in a room with your memory far
You don't know where it is
But you know where you are
“Trancado num quarto com sua memória longe, você não sabe onde está (a memória) mas você sabe onde você está”. Acredito que as memórias que mais determinam nosso agir são aquelas das quais não nos lembramos mais. Por isso ele diz que “você não sabe onde está” essa memória, não se lembra, não sabe do que se trata, o que o leva a fazer o que faz da maneira que faz, mas você sabe onde você está e o que você está fazendo, apesar de não saber o motivo que o leva a isso.

In the dark of a room with a wall out of which
Comes a lamp, but there isn't a switch
“Na escuridão do quarto com uma parede da qual sai uma lâmpada, mas não há interruptor”. De novo, os conselhos todos que te dão, que não te servem pra nada uma vez que não há como você tomar nenhuma daquelas atitudes por ser impossível pra você quando está trancado nessa armadilha da sua mente. E aqui também a metáfora é uma lâmpada na escuridão, mas não há como acendê-la por não haver um interruptor. É como se você até quisesse ter esperança, mas é inútil.

Locked in a room it is small it is not
It is empty and cold so you fill it with thoughts
Of a wonderful nature, and various sizes you doubt
You could think your way out
“Trancado num quarto é pequeno e não é, é vazio e frio então você o preenche com pensamentos de uma natureza maravilhosa, e vários tamanhos você duvida, você poderia pensar na saída”.  Como já dito, o quarto é pequeno e não e, porque se adapta ao tamanho da sua paranóia, do seu medo, insegurança, ou o que quer que seja que te aprisione, e geralmente não é uma coisa só. Então, porque o quarto está vazio você o enche de pensamentos. Todo depressivo pensa em demasia. Geralmente depressão acarreta também ansiedade, que é essa coisa louca de ficar pensando em tudo sem parar. Sua cabeça explode de tantos pensamentos, não há espaço para mais nada além dos seus pensamentos, que giram loucamente sem parar, sem dar trégua, sem dar pausa pra você respirar. Hoje mesmo precisei me lembrar de respirar. Essa “wonderful nature” de que ele fala, imagina que sejam aqueles pensamentos quando tentamos desviar a atenção da nossa mente para algo positivo, para tentar relaxar um pouco. Mas logo vem a dúvida de que possa haver uma saída para o que se sente.

Now that the room 'cause you're locked
And the moon is not clock and nobody's speaking
The silence is ticking
When you're locked in a room
“Agora que o quarto, porque você está trancado, e a lua não é relógio, e ninguém está falando, o silêncio está “marcando” (como no tic tac do relógio) quando você está trancado num quarto”. Aquele silêncio ensurdecedor que se faz dentro da gente de vez em quando, quando se está em lugar nenhum. Um depressivo entende perfeitamente do que estou falando.

“Locked within a room of memory
Locked within a room you stand
Locked up away with no light of day
Locked in the room you begin
To find your way out
You find your way in
To find your way out
You find your way in”

Daí ele repete o refrão novamente. E repete a primeira estrofe também.

Locked in a room with a sink and a broom
And the walls are all white
But you think it's alright
'Cause a wonderful picture of a bridge
Which is covered in frost


E a música termina com:

“And a man comes across
And a man comes across
Comes across”
“E um homem vem ao encontro…”

Esse “come across” é uma expressão no inglês que significa encontrar alguém ou algo sem querer, sem estar procurando. Quando se está em lugar nenhum, queremos ser encontrados.

terça-feira, 6 de junho de 2017

olhando para além do umbigo da Dinamarca

Para todos aqueles que não moram no umbigo da Dinamarca, e para aqueles que não conseguem olhar além do seu próprio umbigo, há uma notícia devastadora: a Dinamarca não é "SÓ" Copenhague. Isso mesmo. Eu sei, parece difícil de acreditar, eu mesma não acreditaria se não fosse o caso de euzinha aqui estar morando não no umbigo, mas em algum lugar esquecido da Dinamarca. Moro em uma cidadezinha minúscula no interior da Jutland.

Mania que as pessoas tem de achar que a Dinamarca se resume à Copenhague!

Precisei desabafar, não que alguém se importe, mas, uma vez que a internet é livre...
E por ser livre, outro dia estava eu a navegar por esses mares muitas vezes turbulentos, e vi um vídeo de uma mulher que - adivinha: mora em Copenhague - onde ela dizia que o interior não é interessante ou não é tão interessante, não lembro as palavras exatas.

Realmente, não é nada interessante ter um riacho bem na esquina da sua casa, onde pessoas vão de caiaque cruzando todas as cidadezinhas por onde o riacho corta. Também não é nada interessante o fato de que, em dias de sol e calor (coisa rara aqui na Dinamarca, especialmente para os lados em que eu vivo) você poder ir nadar num lago de águas cristalinas e, acredite-me nessa aqui também: águas mornas. Sim, as águas do lago são mornas em dias quentes. Mas não tenha expectativas altas quando digo água morna, porque a água é morna para os padrões dinamarqueses de águas congelantes.

Chatíssimo acordar um belo dia e ter uma lebre passeando pelo quintal, ou ter a visita inesperada de um veado. Ou estar dirigindo numa noite escura de inverno e de repente dezenas de luzes no meio da estrada piscando, e você se pergunta "que p... é essa?" e quando vê, pelo menos 40 veados no meio da estrada apenas "hanging". Não é um espetáculo interessante de se ver, de jeito algum.

Dirigindo pelos vilarejos lá pros lados de Aarhus e Horsens, tem aquelas casas que parecem saídas de contos de fadas, com telhados "stråtag", lindas lindas lindas!!! Com aquelas ruazinhas cheias de flores no caminho, estreitas, curvilíneas, e as casas com flores adornando ainda mais a paisagem de encher os olhos e o coração. Tanto me sinto dentro de um conto de fadas que, no inverno, no meio da floresta, vi uma casa saindo fumaça da chaminé e não pude evitar de pensar que ali morava uma bruxa.

O interior é absolutamente nada interessante. Na  cidadezinha onde vivo, temos UM único pub, onde nos finais de semana sempre tem música ao vivo e a galera toda vai lá pra curtir um som e dançar até às 3 da manhã, que é quando fecha o bar. Também temos um hotel que SEMPRE tem alguma apresentação musical, chamado de Ansager Musik Hotel por uma razão bem desinteressante. Cujo restaurante tem uma comida sensacional em um ambiente totalmente familiar. Lugar perfeito pra um jantar no domingo entre família. E se está querendo convidar amigos, eles tem um bar também no hotel, que agora estão tentando transformar em bar-café ou algo que eu sinceramente ainda não entendi, mas que é bem pequenininho e ridiculamente-desinteressantemente aconchegante, ao melhor estilo "hyggeligt" dinamarquês.

Também ainda na cidadezinha onde moro, temos em setembro o Marie Festival, que é bem bacana também, onde pessoas se reúnem com amigos e família para ouvir música, comer besteiras, tomar uma cerveja e colocar a fofoca em dia, claro. Porque uma coisa típica de cidade pequena é a fofoca.

Sem contar outros eventos menores onde o bar da cidade coloca uma tenda e vende cerveja e refrigerantes, e aluga brinquedos para as crianças, e no sol (que não foi alugado, porque infelizmente evento desse porte ainda não é possível de se contratar) que por mera coincidência resolveu sorrir pra nós naquela tarde com calor e tudo mais, a galera toda se reuniu na pracinha pra bate-papo, risadas, cervejas e muito "hygge".

As crianças de 6 anos de idade vão pra escolas sozinhas em suas bicicletinhas. Coisa surreal para uma paulistana como eu, porque não dá pra imaginar tal cena em São Paulo. Mas talvez isso aconteça em todo o canto na Dinamarca, e não seja privilégio apenas do interior, mas como posso saber se eu moro no interior?

Aqui todo mundo tem jardins enormes. E parece que estão sempre numa competição pra ver quem tem a grama mais verde, mais bem aparada e o jardim mais organizado. Inclusive, se sua grama estiver alta, certamente você vai cair na boca da vizinhança, porque eles ficam o tempo todo controlando a grama do vizinho. E não estou exagerando. 

Varde, que é a cidade a qual minha cidadezinha pertence, fica a apenas 13 km daqui. Lá, também pequenininha a cidade, mas tem tudo o que se precisa: Matas, Apotek, Lidl, Rema 1000, Audi, Kvickly, Fakta, lojas de roupa e brinquedos, a minha tão amada Tiger, Imerco, Bancos, a praça onde eventos ocorrem, inclusive exposições de arte, restaurantes, coffee shops, enfim. Até uma balada tem, mas geralmente pessoalzinho de 15 a 20 anos que frequenta, e como eu já estou dobrando a esquina, para mim isso realmente não é interessante. 

Nunca fui de balada, e olha que eu vim de São Paulo, a cidade que nunca dorme. Sempre fui mais dos livros, e quando podia fugia para o parque do Ibirapuera, porque árvore é artigo de luxo em São Paulo. E agora me encontro rodeada por árvores, animais, aconchego, sossego, ar limpo e pessoas que me sorriem no mercado, apesar de eu ser estrangeira.

Esbjerg fica mais longe daqui, fica a mais ou menos 40 km, mas isso de carro dá meia hora mais ou menos. Pra quem veio de São Paulo, meia hora pra chegar num lugar é nada. E lá, por ser uma cidade grande - a 5a maior cidade da Dinamarca - você encontra tudo, tudo mesmo. Tem Bilka, tem um Shopping Center, tem MUITOS restaurantes, e coffee shops, e lojas de tudo que se imagina (claro, nunca podendo comparar com São Paulo, porque né...). No centro da cidade, na praça principal, nessa época do ano de "calor" tem sempre algo rolando: música, esportes, enfim.

É claro, aqui no interior as lojas fecham no sábado à tarde, por volta das 14h. Porque por aqui as pessoas se preocupam em descanso, em tempo pra família, qualidade de vida. Mas em Esbjerg você encontra lojas abertas até mais tarde, inclusive o Bilka agora fica aberto até meia noite. Sempre que sinto saudade do agito de São Paulo eu vou ao Bilka, que me lembra muito o Carrefour, aberto até tarde da noite, cheio de gente não importa a hora.

Não tem como comparar Copenhague com o resto da Dinamarca, mas isso não é motivo para desmerecer o resto do país.

Ano passado a rainha esteve aqui em Varde. Foi um evento e tanto, porque ela toda linda naquela carruagem de filmes, acenando pra todo mundo, que o mais longe que ficou dela foram apenas poucos metros. Todo mundo podia ver a rainha e sorrir, e se quisesse (se aqui fosse Brasil) gritar todo o tipo de elogios (ou não) pra ela. Talvez ela tenha tido a pachorra de visitar Varde, uma cidadezinha numa área esquecida da Dinamarca que o povo de Copenhague talvez nem saiba (e que certamente não se lembra) que existe para lembrar todo mundo que a Dinamarca é muito mais do que Copenhague. Que bom que pelo menos a rainha se lembra de nós a ponto de se dar ao trabalho de visitar.

Mas essa é só a minha opinião. Eu espero que tenha ficado claro para quem leu até aqui que é apenas meu ponto de vista sobre o interior. Não posso dizer absolutamente nada sobre Copenhague, por exemplo, porque estive lá todas as vezes apenas como turista. E na minha opinião, Copenhague é uma típica cidade grande europeia, como que uma mistura de Londres com Paris. De novo, minha opinião. E pontos de  vista são muito pessoais. Tem gente que gosta disso que eu falei, tem gente que abomina e precisa estar no núcleo da cidade grande. Enfim... Graças a Deus que a Dinamarca - assim como o Brasil também - é muito mais do que apenas as cidades grandes, e o interior está aí pra provar isso.

(fotos de arquivo pessoal)