terça-feira, 24 de março de 2020

YOLO

Estavam todos tão preocupados em viver intensamente, que deixaram a vida passar sem perceber.
Não perceberam que a vida morava logo ali, naquele mínimo gesto ou movimento.
Não viram que a vida morava na pipoca estourando na panela enquanto o filme esperava em pausa para ser assistido por aquela mulher sozinha.
Que ali no estarem juntos observando o gato a brincar, e o sorriso que lhe trazia aos lábios, que aquilo era  vida.
Não perceberam que a vida esteve o tempo todo lá em sua plenitude.
No abraçar a quem se ama.
No cheiro de café fresco.
No pão quentinho saindo do forno, e a mesa rodeada de pessoas ansiosas por prová-lo.
No nervosismo e medo que dá antes de abrir o resultado do exame médico.
Nas notícias que vem de uma terra distante...
Na música que toca alto no rádio enquanto se organiza a casa.
Ou na música de piano que toca melancólica enquanto se sente saudade...
Na saudade que dá de quem já se foi.
Na esperança que enche o coração de repente.
Nas mãos sujas de tinta das crianças fazendo arte na aula.
Na brisa que balança o galho...
No gato estirado dormindo no sol que entra pela janela...
No cozinharem juntos.
No trocarem ideias.
Na taça de vinho que se bebe sentando na escada, sozinho.
No bate papo na mesa de um bar.
Na mensagem surpresa de alguém querido que não se vê há muito tempo.
No beijo no rosto... 
No aperto de mão...
Na mão que toca e aperta o ombro forte o suficiente pra encorajar e dar força.
No atravessar a rua para encontrar alguém que espera do outro lado.
No se encontrar nas catracas do metrô.
No cheiro gostoso do bebê recém nascido.
No olhar perdido que atravessa a janela.
No sol que se põe todo lindo sem esperar pelos aplausos, ou mesmo os olhares admirados.
No abraçar debaixo do cobertor para esquentar um ao outro.
No cachorro que deita na beirada da cama aquecendo os pés gelados.
Na raiva que dá quando alguém age de forma estúpida.
No perdão.
Na mensagem que não é enviada porque é melhor deixar pra lá.
No riso que invade o rosto quando se assiste alguém agir de forma desastrada.
Na palavra não dita.
No olhar que fala tudo o que precisa ser dito.
Na colher que raspa o fundo da panela ou da vasilha em que se fez o bolo.
Na farinha que dá massa ao pão.
Na coragem de dar o primeiro passo.
Na decisão de fechar a porta.
Naquele segundo em que se sabe que deve ir mas que ainda assim se quer olhar pra trás.
No deixar ir.
No seguir em frente.
No trem que atrasou.
No avião que pousou seguro.
Na pedra que nos faz tropeçar.
No chocolate quente...
No amar a quem não nos corresponde.
No coração partido.
No soprar das velas.
No ornamento que enfeita a árvore de Natal.
Na oração do coração aflito.
No se reconhecer humano.
No acordar a cada manhã...
Não perceberam que a vida morava logo ali, naquele mínimo gesto ou movimento.
Não perceberam que a vida esteve o tempo todo lá em sua plenitude porque estavam todos tão preocupados em viver intensamente, que deixaram a vida passar sem perceber.




segunda-feira, 16 de março de 2020

obviedades # 45

as vezes o que parece ser paz é cansaço.