segunda-feira, 27 de outubro de 2014

pequeno chapéu vermelho

Caminhamos por florestas escuras, fugindo de um mal que não conhecíamos.
Subimos encostas de montanhas, molhamos nossos pés nas águas cristalinas de riachos que pareciam cantar uma música bonita e triste.
Noites longas, dias curtos...
O medo nos farejava, parecia até que éramos a caça de todos as angústias.
Eu precisava fazê-la chegar lá a qualquer custo.
"Onde é lá?" - ela me perguntou.
Ao que senti meu coração rachar e despedaçar ao som de sua doce e inocente voz.
Nem eu estava certa de onde era o lá que tanto estávamos buscando encontrar.
Apenas seguimos.
Me machuquei para que ela não se machucasse.
Me atirei no chão e a fiz pisar minhas costas, para que ela não afundasse nas lamas da dúvida e desejo.
Andei errante, com a certeza de que ela chegaria onde nem eu sabia chegar.
Ao mesmo tempo em que a protegia, eu a fazia companhia...
E ela era minha mais doce canção.
Seu sorriso iluminava as noites escuras em que a lua resolvia se esconder também.
Até que finalmente, do vale avistamos a casa grande. Nossa última parada antes que ela pudesse seguir sozinha seu destino.
Ela estava apavorada, não queria largar a minha mão.
Me abraçou chorando dizendo que queria desistir. Mas eu não a podia acompanhar, e também não podia deixar que ela parasse.
Então, prometi que eu estaria sempre ali, para quando ela voltasse.
Todos na casa estavam apreensivos. O tempo determinado estava chegando.
Seu destinho finalmente se aproximava, e ela o temia por não saber o que haveria de vir.
Nós sempre tememos o que não sabemos...
Então a fada que a levaria até o portal apareceu, estampando um sorriso nervoso na face.
Sorria para não gritar de medo.
Me perguntei quantas foram as vezes em que eu sorri para não gritar de medo.
Ela chorava uma lágrima que não escorria rosto abaixo, estava presa bem debaixo dos seus olhos, grudada aos seus cílios.
A fada, bondosa que era, pediu que ela se aproximasse da janela, pois as fadas da floresta lhe haviam preparado uma surpresa.
A janela da casa grande era imensa e toda de vidro.
Através dela podíamos avistar todo o vale verdejante.
Era noite, mas do chão subiam luzes coloridas, que faziam um lindo espetáculo ao olhar de qualquer espectador. 

Era como a aurora boreal, vinda da terra, movendo por sobre a vegetação, e fazendo tremular todas as flores e arrepiar nossa alma.
Enquanto ela sorria assistindo a seu lindo presente da janela, eu fui transportada, e de repente já não estava mais ao lado dela.
Eu estava lá embaixo no vale, e ele estava ao meu lado.
Uivava raivoso e vitorioso.
A bruxa também estava lá e o fazia companhia.
Todas as fadas vieram voando para tentar convencê-lo de que não era ela que estava lá.
E ele apenas respondeu que fora atraído pela luz.
Caminhava determinado... nem depressa nem lento, apenas passos firmes, determinados, enterrando seus pés no chão.
Nada o podia impedir.
Eu bem que tentei, mas ele riu de minha inútil tentativa de fazê-lo parar.
Uivava, passos firmes... e a cada passo, ia transformando-se em homem.
Perdeu a pelagem escura... ganhou roupas elegantes.
E andava como se ninguém estivesse ali.
Estava focado, obstinado.
Seu destino: a casa grande, onde ela estava.
A luz o atraíra... Esse pensamento me fez odiar as fadas por um momento.
Elas haviam denunciado nossa posição, e agora nossa pequena estava em perigo.
Segui o lobo o quanto eu pude.
Agora já homem, ele entrou sem bater pela porta da frente.
Não pediu permissão, não se apresentou, pois era desnecessário.
Todos sabiam quem ele era e o que viera fazer ali.
Podia-se ouvir apenas o som da respiração nervosa de todos na sala.
Alguém quebrou o silêncio... A pequena estava descendo as escadas, e iria encontrar o lobo na sala.
Alguém disse que o lobo não seria capaz de enganá-la, pois ela gostava de música, e ele não tinha como tocá-la.
Um sorriso tenebroso se abriu no seu rosto maléfico, quando do bolso ele tirou um violão.
Rindo sarcástico, ele perguntou: "ela prefere violão ou algo mais clássico?", e o instrumento agora já não era mais aquilo e sim um saxofone. 
Eu estava amedrontada, desesperada, queria fugir dali, fugir daquele momento e pular para o final feliz da estória.
Ela chegou na sala...
Seus olhos inocentes me fizeram chorar...
Lançou-me um olhar cortante, e tudo ao meu redor girou.
Foi quando eu me dei conta de que na verdade, ela era eu.
E percebi que o mal viera ao meu encontro, buscando me enganar.
Ele estava ali, na minha frente, segurando a música que eu esperava ouvir.
E ele viera atraído pela luz que há em mim.
E uma sensação eletrizante tomou conta de todos os meus sentidos.
Eu estava face a face com o mal que me perseguia.
Só então me dei conta de que não adiantava me esconder.
Porque enquanto houvesse luz em mim, ele viria ao meu encontro para me destruir.
E eu não quero que minha luz se apague...

Nenhum comentário:

Postar um comentário