Passava das 8 da noite. Tinha chovido bastante durante a
tarde, e a noite de quase verão estava incrivelmente agradável. Mas ela estava
jogada no sofá, como um trapo velho jogado num canto qualquer no chão.
Lembrou-se de que não havia comido nada durante aquele dia.
Ela simplesmente se esquecia de se alimentar. Comia por obrigação. Não era
anorexa, apenas esquecia de comer de vez em quando. Acontece com todo mundo, pensou.
Vasculhou a gaveta abarrotada de tralhas e muitos remédios.
Buscava por algo que a fizesse dormir. Precisava - com frequência - de algo que a
fizesse dormir. Tinha sido assim pelos últimos 19 meses.
Emily apoiou a cabeça com uma das mãos, joelhos encolhidos
em sinal de reclusão, e ali ficou pelas próximas horas. Estava determinada a
esperar pelo remédio fazer efeito.
O que ela mais gostava a respeito desses remédios calmantes
era o fato de que eles anulavam seus pensamentos. Ela pensava tanto em tudo o
tempo todo que se sentia exausta. Por isso não conseguia nem mesmo lembrar-se
de comer. Às vezes se esquecia de tomar banho. Estava sempre se esquecendo
de alguma coisa.
Mas nada que ela pudesse esquecer era pior do que o que
estava acontecendo dentro dela. Ela estava se esquecendo de quem era. E o
remédio só ajudava nesse processo.
Ela sabia disso. Há 10 anos estava dia após dia se
esquecendo de quem era. Muitas vezes pensava que nem teve a oportunidade de
saber quem era e já estava se esquecendo de si. Mas esse pensamento não a
incomodava mais.
Talvez fosse o melhor. Talvez a melhor coisa que podia
acontecer a ela era se esquecer completamente de quem nunca foi, de quem nunca
chegou a ser, de quem um dia gostaria de ter sido, ou mesmo se esquecer de quem
jamais poderia ser. Talvez assim tivesse a chance de sua vida de começar tudo
de novo. Tudo o que ela queria era uma chance de ser, pois ser era a única
coisa que ela tinha a seu favor. Ela era. Ela existia, isso era um fato. Ao menos
por enquanto ela era alguém. Quem? Bem, isso ela não fazia muita questão de
saber por enquanto. Queria apenas sentir-se alguém no mundo, no mundo de alguém,
e de ter alguém em seu mundo.
Ela se sentia tão vazia. Nunca se sentira melhor em toda a
sua vida. Tinha sempre um turbilhão de coisas passando pela sua cabeça, pelo
seu coração. Era sempre inundada por esse tsunami de emoções. E ela odiava isso
mais do que a si mesma. Ah sim. Emily se odiava algumas vezes. Mas o que ela mais odiava era o fato de ter
tantas coisas absurdas acontecendo ao mesmo tempo dentro de si, com as quais
ela não podia lidar.
Deu uma última olhada para o relógio. 22:42. O natal estava
chegando, mas muitos acreditavam que o mundo acabaria antes, no dia 21. Ela estava
vivendo as horas finais do dia 19 de dezembro de 2012. Mas mal sabia ela que
sua vida estava prestes a tomar um rumo completamente diferente daquele com o qual ela estava esperançosa, ou com o qual tinha planejado.
É mágico esse momento em que as pessoas não fazem a menor
ideia de que suas vidas estão prestes a mudar. Elas ficam tão inocentes diante
do inesperado, do desconhecido, do inevitável. Às vezes parece até injusto que
isso aconteça. Mas a vida é assim. De uma hora pra outra tudo pode mudar na sua
vida como em um passe de mágica. E não há nada que você possa fazer,
absolutamente nada.
E lá estava Emily totalmente vulnerável ao futuro que lhe
esperava. Tão inocente. Tão despreocupada. Tão sonolenta devido ao remédio que
tomara 2 horas antes. Com a mente completamente vazia, ela deixava-se levar
pelas horas, minutos, segundos... em direção ao seu futuro.
E não é assim que deveria ser com todo mundo?
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