domingo, 24 de março de 2013

não identificado

Um belo dia olhei, e lá estava ele.
Um sentimento novo no meu coração. 

Que medo!

E agora, estamos nós aqui... Ele me olha, eu desvio o olhar.

Ele me assusta.

Não é muito grande, mas é assustador de qualquer jeito. Me olha tão profundamente. Ainda não me disse nada. Também, eu estou tão ressabiada que tento ignorar a presença dele ali.
Mas é impossível ignorá-lo! Que raiva! Eu caminho de um lado para outro, penso em outras coisas, procuro me distrair com coisas banais, e sempre que espio de rabo de olho, lá está ele. Sempre a me olhar. Parece que está me observando.
Às vezes, mesmo quando eu não estou olhando, sinto que ele me olha. De vez em quando é ele quem desvia o olhar quando eu olho. Às vezes ele vira a cara pra mim!

Desaforado!

Chegou, instalou-se no meu coração sem pedir licença, sem minha autorização. E ainda se acha no direito de virar a cara pra mim! Pode isso? Mas, enfim... Não sei do que eu tenho mais medo. Se é da presença constante dele, imóvel, inexorável... Ou se tenho mais medo pelo fato de eu estar me acostumando com ele. Engraçado... Parece até que ele me faz companhia às vezes. Antes eu me sentia muito sozinha... Mas agora, depois que ele apareceu por aqui, eu sinto que tenho ele por companhia. E ele não diz nada. Nunca disse uma palavra. Apenas me olha. Às vezes eu sinto vontade de puxar assunto. Mas como eu disse, ele é pequeno ainda, mas assustador. E olha só!

Ai meu Deus!!!! Socorro!

Se reparar bem, parece que ele cresceu alguns centímetros nos últimos dias.
Se eu ao menos tivesse a coragem de me aproximar e fazer uma marca na parede... Para ter um controle. 
Assim eu poderia ir comparando essas marcas e verificar com certeza se ele realmente está crescendo.E se ele estiver realmente crescendo? O que eu faço? Será que devo expulsá-lo enquanto ainda é pequeno? Será que consigo me livrar dele? Mas eu tenho medo... Bem... Na verdade, eu acho que me afeiçoei a ele.

Como eu disse, ele me faz companhia. Quando estou muito triste e sozinha, eu fico olhando pra ele... E isso me consola. Quando a saudade é grande demais, só ele me conforta. Só de olhar pra ele eu sinto que a saudade fica um pouquinho menor.

Sabe como é saudade, né? Saudade é tão cruel! Vai corroendo, nos machucando, fazendo doer o peito, apertando o coração, ocupa um espaço danado. A gente mal consegue se agüentar dentro do peito, mal consegue se mover quando a saudade invade e fica grande demais.

Saudade é um sentimento muito folgado. Espaçoso! E desaforado também. Porque vai logo entrando, sem cerimônias, e vai se instalando, e vai consumindo tudo ao redor, e vai crescendo... E você sabe, só existe um remédio contra a saudade: a presença de quem se sente a falta.E não é sempre que se pode isso. Por isso a saudade fica ainda mais folgada e espaçosa.

Enfim, pouco tempo depois dele chegar, esse sentimento não identificado, a saudade já foi logo se instalando. Agora tenho dois hóspedes no meu coração, que chegaram sem pedir licença, e que estão ocupando espaço. A saudade muito mais. Na verdade, a saudade é a única que incomoda. Porque ela mexe em tudo! Tira tudo do lugar! Eu detesto gente folgada! 

E a saudade está muito abusada!

O que eu faço com ela? É impossível expulsá-la! A menos que eu tenha a presença desejada, ela vai ficando, e só crescendo. Ela vai embora quando quer.
O que posso fazer? Às vezes ela sai pra dar uma volta, mas logo retorna. E quando volta, está ainda maior. E quando cresce muito, quando entra, derruba tudo do lugar. Tudo vira uma bagunça. Já não consigo mais me concentrar em nada. No trabalho estou distraída, só penso na saudade muito grande. E quando tento desviar o pensamento dela, lá está ele. 

O “não identificado” me olhando.

Às vezes ele parece sorrir. Parece rir da minha desgraça. Parece não. Tenho certeza.

Ele ri!

Ele ri... Sempre que a saudade faz uma bagunça, deixa cair alguma coisa, ou deixa tudo fora do lugar, e eu fico maluca tentando colocar tudo de volta no lugar, eu percebo que o não identificado sorri. Bonito! Ria mesmo da desgraça alheia! Afinal, já diz o ditado que pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Aí quando eu fico assim, vejo que a saudade também ri de mim.

Estou ficando maluca! Alguém pode me ajudar? Alguém poderia, por favor, tirar essa saudade de dentro do meu coração? E esse outro folgadinho que não me diz nem seu nome? Apesar de que ele... Mesmo não sabendo seu nome, mesmo não sabendo exatamente o que ele quer de mim, gosto dele por perto. Como disse, já me acostumei à sua presença.
Outro dia ele ameaçou ir embora. Estava inquieto. Nem me olhou naquele dia. Parecia preocupado, parecia até estar menor. Eu achei aquilo muito estranho e curioso. Mas não tive coragem de me aproximar dele. Fiquei com pena. Tive tanto medo! Tive mais medo dele ir embora, do que se ele ficasse.
E ele estava impaciente. E me olhou, tão profundamente como nunca ninguém antes me olhou assim. Olhou como quem perguntasse: “E aí? Devo ir? Quer que eu fique?” E eu não sabia o que responder. Então ele abriu a porta, e me olhando, virou-se. Chegou a colocar um dos pés para fora do meu coração.

Ai! Que gelo deu na minha alma.

Só de imaginar meu coração sem ele ali. Afinal, ele não ocupa tanto espaço. Ainda é pequenininho. É bem verdade que não sei qual tamanho ele pode tomar... Mas só de pensar em ficar sozinha novamente... Meu coração doeu. Meu coração doeu como quem diz: “Veja lá o que você está fazendo!” Então, idiotamente, eu atendi ao desejo do meu coração e gritei: “Espera!” “Não vá ainda!” – gritei desesperada e com lágrimas nos olhos. Então ele me sorriu com tanta ternura. E entrou novamente. Nossa! Quando ele entrou, sei lá! Alguma coisa aconteceu. Estava mais quente, estava um pouco maior, estava mais alegre. E eu estava com mais medo. Quanto mais ele se aconchega no meu coração, com mais medo eu fico.

Mas eu poderia ter me livrado dele. Eu tive a oportunidade de me livrar dele, e tive medo. Não quis que ele fosse embora. Agora, que ele ficou, e está cada vez mais tomando parte no meu coração, eu fico aterrorizada. Sinto tanto medo. E lá está ele.
Nesse exato momento enquanto escrevo, de vez em quando dou uma olhadinha, e ele está lá. Firme e forte. Só me observando. Não quero convidá-lo a se sentar. Já pedi para ficar. É demais! Chega! Mas ele está lá. Algo me diz que ele não vai embora tão cedo.

E pior que isso... Algo me diz que eu não quero que ele se vá.

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