terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

meritocracia na Dinamarca

Reparei uma coisa, só agora. Só nesse exato momento, pra ser mais precisa, que eu percebi isso. Aqui na Dinamarca não se fala em "meritocracia".


E por que será né?


Um país onde universidade além de ser de GRAÇA, ainda o governo oferece um salário (ajuda de custo, vamos dizer assim) para TODOS os estudantes. A coisa agora tá mudando, porque muita gente tava se aproveitando e vindo de tudo que é país da Europa pra estudar aqui de graça e ter esse dinheiro. Sem contar outras coisas...


Mas enfim, voltando à meritocracia, não se fala.


Faculdade gratuita, e menos de 10% da população tem nível universitário. (de acordo com esse site aqui: Danmarks Statistik


E muitos, MUITOS jovens não querem fazer faculdade de qualquer jeito. Eles não vêem a hora de terminar o "gymnasium" (algo tipo o ensino médio só que diferente) para irem ao mercado de trabalho encarar a vida.


Claro, é preciso dizer que aqui existem várias opções, não somente a faculdade. Praticamente todo canto que você vai trabalhar, será exigido o diploma (certificado) de um curso. E esses cursos tem a duração média de 3 anos e meio. Tipo, o mecânico faz um curso de mecânica, que envolve teoria de alguns meses e prática de alguns anos, para ter o certificado de mecânico. E só assim ele será contratado como mecânico pra trabalhar em uma oficina e tal. Ou seja, não é nível universitário mas seria o equivalente aos nossos cursos técnicos no Brasil.


E o povo vive bem aqui. Vive tão bem que eu fico com dó do meu povo brasileiro. Só agora, morando aqui, eu vejo como o povo brasileiro sofre, é maltratado e nem se dá conta disso muitas vezes, como eu não me dava.


Aqui "status" se mede não pelo valor das coisas, não pelas viagens, não pelas roupas que se veste. Status se mede pelo trabalho que se tem.

E nem sempre um emprego que dá status dá dinheiro também. Por exemplo, ser professor é uma coisa dá um certo status, mas não dá tanto dinheiro assim.


O que pode soar como uma discrepância, mas é isso mesmo.


A tal ponto que, na "sprogskole" (escola de idiomas), teve um dia que eu fiquei p... da vida porque uma professora veio como uma atividade pra gente fazer tão ridícula, tão babaca, que eu não pude acreditar.


Era uma folha com mais de 50 tipos de profissão, desde "porteiro da discoteca" até "cirurgião".

E a atividade consistia no fato de termos de escolher as 3 profissões que mais davam "status" e as que menos davam status. Engraçado que eu, na minha ignorância e preconceito, já fui logo marcando "escort pige" (no bom e velho português, prostituta) como sendo uma profissão que não dá status.
Mas aqui na Dinamarca o povo não tem esse preconceito. Inclusive é bem comum. O povo brinca aqui dizendo que "desde que você pague os impostos, você pode fazer o que quiser".


E por falar em impostos, são altíssimos aqui. Mas o cirurgião, o advogado, o dentista (que por sinal é uma profissão que aqui além de status dá muito dinheiro), vão ao mesmo médico que o motorista do caminhão do lixo e a "escort pige" vão.


Aqui o trabalhador tem direito à greve, e não é chamado de vagabundo preguiçoso. Eles entendem que é assim que direitos trabalhistas são adquiridos.


O povo trabalha 37 horas por semana (e a diferença salarial de uma pessoa que trabalha na limpeza, para uma pessoa que leciona línguas, por exemplo, não é tanta não. Algumas profissões dão muito dinheiro, como por exemplo farmacêutico, advogado, dentista, engenheiro, médico. Essas, óbvio, são também as consideradas de alto status); tem 5 semanas de férias, são pagos pelas horas extra, mulheres podem tirar até 1 ano de licença maternidade (e os homens 2 semanas), e ainda assim o povo faz greve.


Empresas não podem sair fazendo o que bem entende na jornada de trabalho, porque o sindicato cai matando em cima, e cai mesmo. Tudo tem que ser negociado com o sindicato, não existe essa de "empregado negociar direto com o empregador".




O povo trabalha bastante, é verdade. Aqui também tá um pega pra capar pra mudar as leis previdenciárias, porque homens se aposentam com idade mínima de 65 anos também, e estão brigando pra esticar isso. Mas o povo brigando de volta, porque uma pessoa que trabalha em construção, como pedreiro(a) por exemplo, não aguenta trabalhar muito mais do que 65 anos, se comparado a um advogado. E só sendo muito burro pra não entender os motivos aqui.


Não sei muito, mas ouvi dizer que muitos países europeus seguem essa linha aí de direitos trabalhistas. E não canso de rir das piadas do povo que fala dos "coxinhas", vamos chamar assim pra facilitar, porque se eu for explicar, esse texto não acaba mais... Enfim, piadas que fazem com os coxinhas que saem do Brasil pra ir tentar a vida na Europa, e chegando aqui tem que engolir todo o monte de merda que falam sobre grevistas, meritocracia, e por aí vai, pra se submeter - muitas vezes - a um regime de governo semelhante - se não igual - ao que eles tanto abominam no Brasil.


Vi uma tirinha falando sobre meritocracia outro dia no Facebook. Daí mostrava um padeiro acordando cedão, e dizia que "se esforço e trabalho duro decidissem a vida, o padeiro seria rico", algo assim. E alguém comentou: "Não adianta acordar cedo e se acomodar com a situação".


Gente, será que é tão difícil assim ver que o padeiro merece uma vida digna, tanto quanto o advogado?


Por que será que o povo é tão burro? Tão cego? Tão alienado?


Então só tem direito à dignidade aquele que tem uma profissão de alto calibre? Uma profissão que "dá status"?


Ah, e apesar de uma profissão como "porteiro da discoteca" não dar status por aqui, ela dá direito a uma vida digna, se esse cara trabalhar 37 horas por semana. Provavelmente não é possível trabalhar em uma só boate, uma vez que a boate abre poucos dias na semana, e ele provavelmente trabalha poucas horas por noite, mas esse cara deve ter um outro trabalho durante o dia. O que eles chamam aqui de "part time job". Ele deve ter 2 desses, enfim.


E a meritocracia?


Aqui não precisa nem falar disso, porque basta ter um emprego ("full time job" = 37 horas por semana) pra ter uma vida digna. Nem que seja na limpeza.